
Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado uma transformação silenciosa, porém poderosa, em sua matriz de biocombustíveis: a ascensão do etanol produzido a partir de cereais, especialmente o milho. Tradicionalmente líder global na produção de etanol de cana-de-açúcar, o país agora diversifica sua base produtiva, abrindo caminho para novas tecnologias, investimentos e oportunidades em toda a cadeia industrial.
Um exemplo emblemático dessa mudança vem de Santa Catarina. A cooperativa Copercampos anunciou a construção da primeira usina de etanol de cereais do estado, localizada em Campos Novos. Com investimento de R$ 200 milhões, a planta terá capacidade inicial para produzir 36 milhões de litros de etanol de milho por ano, além de gerar 25 mil toneladas de DDGs (grãos secos de destilaria com solúveis), 1.500 toneladas de óleo e 15.000 MWh de energia anualmente, processando cerca de 87.000 toneladas de cereais por ano.
Essa iniciativa está inserida em um contexto de crescimento exponencial da produção nacional de etanol de milho, que aumentou 800% nos últimos cinco anos – de 520 milhões para 4,5 bilhões de litros anuais. Com R$ 19 bilhões em investimentos previstos até 2032, o Brasil já ocupa a segunda posição no ranking global, atrás apenas dos Estados Unidos, que produzem etanol quase exclusivamente a partir de milho, com destaque para os 49,3 bilhões de litros produzidos em 2010.
Na Europa, a abordagem é mais diversificada, com o uso de trigo, beterraba e outros cereais. Em 2012, a UE produziu cerca de 4,3 bilhões de litros de etanol, o que representava 2,5% da produção mundial.
O que isso significa para a indústria química?

A expansão do etanol de cereais não é apenas uma tendência agrícola ou energética – é uma plataforma de inovação para a indústria química, que pode atuar como protagonista em várias frentes:
1. Avanço em Tecnologias de Processamento
A indústria química pode liderar o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes para a conversão de cereais em etanol. Isso inclui desde melhorias nos processos de hidrólise enzimática e fermentação alcoólica, até o uso de novas rotas químicas e biotecnológicas que aumentem o rendimento, reduzam o consumo energético e tornem a produção de etanol de segunda geração mais competitiva e sustentável.
2. Produção de Insumos e Enzimas Específicas
A expansão das usinas de etanol de milho impulsiona a demanda por enzimas industriais especializadas, voltadas à quebra eficiente de celulose, hemicelulose e amidos complexos. A indústria química pode atuar na produção e customização desses insumos, criando soluções sob medida que acelerem a conversão de biomassa em açúcares fermentáveis.
3. Valorização e Transformação de Subprodutos
Subprodutos como o DDGS (grãos secos de destilaria com solúveis) representam uma fonte rica em proteínas, fibras e lipídios. A indústria química tem a oportunidade de desenvolver tecnologias para refinamento e extração de compostos de alto valor agregado, como aminoácidos, peptídeos bioativos, óleos funcionais e até ingredientes para nutracêuticos e cosméticos, ampliando as possibilidades de aplicação e rentabilidade.
4. Produção de Bioplásticos e Químicos Verdes
A biomassa residual oriunda do processamento de cereais pode ser transformada em bioplásticos, solventes verdes, álcoois superiores e outros bioquímicos. Ao utilizar resíduos como matéria-prima, a indústria química se alinha às estratégias de economia circular, promovendo inovação com menor impacto ambiental e criando novas linhas de produtos sustentáveis.
5. Biotecnologia Aplicada à Fermentação
O desenvolvimento de microrganismos geneticamente modificados ou adaptados para otimizar a fermentação de diferentes tipos de açúcares (incluindo pentoses e hexoses) é uma fronteira promissora. Essa inovação pode aumentar a eficiência dos processos, reduzir custos operacionais e ampliar a viabilidade econômica da produção de etanol a partir de diferentes cereais.
6. Novos Catalisadores e Otimização de Processos
A criação de catalisadores mais seletivos e duráveis é fundamental para aprimorar etapas químicas tanto na produção de etanol quanto no aproveitamento de subprodutos. A indústria química pode explorar novos materiais e técnicas que aumentem a produtividade, reduzam o uso de insumos e tornem os processos mais limpos.
7. Parcerias Estratégicas e Ecossistemas de Inovação
A colaboração entre empresas químicas, produtores agrícolas e usinas de biocombustíveis pode gerar sinergias poderosas. Parcerias estratégicas voltadas para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) permitem criar soluções integradas, acelerando a implantação de tecnologias avançadas e promovendo uma cadeia de valor mais robusta e sustentável.
A iniciativa pioneira de Santa Catarina sinaliza mais do que um investimento regional, ela representa uma mudança de paradigma na matriz energética brasileira, refletindo uma tendência nacional de diversificação das fontes de biocombustíveis. O crescimento expressivo da produção de etanol a partir de cereais aponta para um cenário promissor, impulsionado por tecnologia, inovação e investimentos estruturantes.
Para a indústria química, esse movimento representa uma oportunidade estratégica sem precedentes. A expansão da produção de etanol de cereais exige soluções inovadoras, em insumos, processos, reaproveitamento de resíduos e desenvolvimento de novos produtos, criando um ecossistema fértil para parcerias, investimentos e novos modelos de negócios.
Mais do que atender a uma demanda energética crescente, a indústria tem nas mãos a chance de liderar a transição para uma economia de baixo carbono, tornando-se protagonista na construção de um futuro mais sustentável, competitivo e integrado.
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-Por Leticia Rodrigues