P&D na indústria de tintas: Por que os formuladores devem voltar ao básico ?

Quando falamos da área de P&D na indústria de tintas é unanime que a grande maioria das fabricantes segue trabalhando no modelo de experimentação por tentativa e erro, validado por testes físicos e de validação dos atributos percebidos. Embora até hoje esse fluxo de trabalho seja uma realidade para a maioria das indústrias já podemos afirmar que os desafios do futuro exigirão novas abordagens e maneiras de se trabalhar, e para isso é preciso estar atento.

As formulações de tintas podem ter permanecido semelhantes ao longo dos anos, mas houve um aumento drástico nas propriedades esperadas desses produtos. Os regulamentos mudaram com relação aos ingredientes e seu uso. A quantidade de produtos disponíveis também sofreu alteração, sem contar que no Brasil, o Programa Setorial da Qualidade gerido pela Abrafati, segue estabelecendo critérios mínimos de qualidade que precisam obrigatoriamente ser cumpridos, além disso, o programa avança ano após ano, incluindo novos testes, categorias de produtos e intensificando o número de amostras coletadas no mercado, tudo isso, aumenta ainda mais as exigências que os formuladores precisam cumprir sem deixar de pensar na competitiva e rentabilidade dos produtos – um desafio e tanto não é mesmo?  

Boas formulações e matérias primas de qualidade são fatores chave de sucesso em qualquer exercício de desenvolvimento de produto. O paradigma preço/qualidade sempre prevaleceu na escolha dos fornecedores, mas uma nova gama de critérios de decisão está evoluindo rapidamente. Inovação passou a ser critério básico na hora da escolha dos parceiros e quem não estiver atento as movimentações, facilmente estará fora do jogo. A sustentabilidade, também se tornou uma pauta na qual os formuladores precisam estar atentos. Em muitos casos, comprar dos fornecedores habituais não será mais uma opção — o que terá um grande impacto nos programas de P&D.

Não é apenas sobre preço/qualidade

Tomemos como exemplo o mix preço/qualidade. Esses dois elementos agora devem ser avaliados de acordo com uma série de outras métricas, como sustentabilidade, aplicação do produto ou saúde (por exemplo, sem solvente). Para aumentar a complexidade, cada um desses fatores tem, em si, uma gama de subfatores. A lista de considerações e os impactos que elas têm umas sobre as outras rapidamente se torna longa e muito difícil de manejar (Figura 1).

FIGURA 1 » A crescente lista de fatores de decisão na seleção de fornecedores de ingredientes.

Passamos de um paradigma preço/qualidade para toda uma matriz. Contabilizar apenas Sustentabilidade, Qualidade e Custo cria pelo menos sete fatores diferentes a serem considerados na compra de um material. Esses fatores adicionais incluem a pegada de um material usado, a origem da produção (transporte) e o método de produção (energia, resíduos envolvidos). Também é importante observar os fatores relacionados a como as matérias primas foram desenvolvidas, qual o número de testes executados, o uso do material e os resíduos resultantes produzidos – para citar apenas alguns.

Além disso, os formuladores agora devem responder rapidamente às mudanças na disponibilidade dessas matérias primas. Sem dúvida, isso complica ainda mais o processo de formulação.

Embora a importância de usar insumos mais seguros, mais inteligentes ou mais sustentáveis já esteja bem documentada, exatamente como tudo isso acontece no laboratório ainda está por acontecer.

A realidade de ser sustentável

Em resposta a um consumidor mais consciente do meio ambiente e a um ambiente regulatório mais rígido, as empresas buscarão cada vez se ajustarem a pauta da  sustentabilidade. Essa busca, no entanto, terá um efeito indireto sobre preço, qualidade e outras métricas.

Um ingrediente de base biológica pode parecer bom no papel, mas não é apenas uma questão de adicioná-lo a uma formulação. Pode não funcionar do ponto de vista da aplicação do produto. A forma como é processado pode ter consequências ambientais, descartando-o se uma empresa quiser legitimar seus objetivos de sustentabilidade. O transporte é outro fator. Comprar ingredientes de lugares distantes não ajudará no alinhamento com as metas de sustentabilidade. O fornecimento local é a alternativa óbvia, mas pode ser muito mais caro, o que novamente afeta o fator preço. Esse é um dos temas mais importante, que se resume na implementação do ESG e vamos falar com mais detalhes em outros artigos sobre a implementação de programa.

Colabore e entenda o porquê

À medida que novos fatores (além do preço/qualidade usual) se tornam cruciais, os formuladores precisarão mudar seu modus operandi e adotar uma abordagem de baixo para cima. Os formuladores e, de fato, os experimentalistas químicos precisam repensar tudo, desde o ponto zero. Isso ajudará a dar um passo para trás, realmente entender por que certas formulações não funcionam e descobrir o potencial que surge desse conhecimento. Os formuladores também devem se sentir à vontade para colaborar fora de sua esfera, compartilhando informações e se envolvendo com tecnologias de compartilhamento e visualização de dados.

Para encontrar e usar os ingredientes certos para P&D de produtos, os formuladores farão bem em trabalhar de maneira holística e colaborativa. Isso significa conectar-se com novas e diversas partes de seu departamento ou organização (mesmo organizações externas) para trazer o conhecimento certo em um estágio inicial do desenvolvimento do produto. Ao fazer isso, eles podem evitar avançar na linha com um protótipo apenas para descobrir que ele não fará o corte em certas métricas, como a pontuação de sustentabilidade.

Também é fundamental entender  as matérias primas de uma forma que nunca foi feita antes. A maneira tradicional de superar a mudança tem sido usar produtos de tentativa e erro, aprimorando, geralmente adicionando novas substâncias às fórmulas, para chegar a um protótipo físico que pareça funcionar. O conhecimento resultante é temporário e transitório. Ele vive na cabeça das pessoas e geralmente é acessível apenas a um número limitado de membros da equipe (se houver). O que é necessário é uma compreensão profunda e compartilhada das formulações, por que funcionam e por que não.

Sem esses insights cruciais, os programas de P&D das empresas de tintas e, portanto, o desenvolvimento de produtos, serão muito lentos. A formulação bem-sucedida exigirá que a intuição seja substituída pela ciência. Requer compartilhamento de dados, para que todos trabalhem com as informações corretas. Isso proporcionará vitórias substanciais, oferecerá maior poder preditivo em experimentos e ajudará a isolar os experimentos físicos que simplesmente não funcionarão.

Essa capacidade de isolar experimentos desperdiçados já oferece uma contribuição positiva para as pontuações de sustentabilidade, ao economizar no uso de recursos como produtos químicos. Também ressalta a necessidade de uma mudança de mentalidade. Para muitos veteranos em revestimentos, é difícil ver algo positivo em não realizar vários testes. Esse conceito é novo em uma arena onde o grito de guerra geralmente tem sido “Fiz mais de X experimentos para chegar a este ponto”, com um número maior de experimentos sugerindo maior credibilidade.

Os formuladores não podem fazer isso sozinhos

Em vez de ir e voltar com experimentos de tentativa e erro nas formulações atuais, faz mais sentido começar do zero. Os formuladores estão na vanguarda desse trabalho, mas não podem fazê-lo sozinhos. A boa notícia é que eles não precisam.

O poder de computação aprimorado tornou a P&D digital mais possível do que nunca. Equipes inteiras podem se beneficiar de uma fonte central de verdade sobre aprendizados sobre formulações. As empresas também podem reter a PI organizacional, em vez de perdê-la quando um formulador se mudar.

Os profissionais de P&D podem usar ferramentas inteligentes para entender os resultados experimentais e reforçar seus conhecimentos para o futuro. Isso pode economizar anos de busca por formulações que simplesmente não funcionarão no final. Descobrir isso logo no início evitará gastos desnecessários e retardará o lançamento no mercado.

O objetivo final são produtos melhores, por um custo menor. Estes devem ser entregues no prazo e de acordo com as necessidades do cliente, conseguindo cumprir as metas e cumprir a legislação. O suporte digital pode ajudar a P&D química a começar com o pé direito, acelerar o desenvolvimento de produtos e ficar à frente da concorrência.

O caminho a seguir

É uma tarefa assustadora responder a essa mudança de paradigma. Tempo, novas ferramentas e uma maneira diferente de pensar serão necessários. No entanto, há uma necessidade muito real de investir na obtenção de insights profundos sobre os materiais. É isso que permitirá às empresas colher os benefícios da P&D digital e acompanhar as demandas do mercado em constante mudança.

O caminho a seguir tornou-se mais complicado e obscuro, mas em tudo isso há uma chave – entender o porquê. Os formuladores devem ser destemidos ao descobrir as razões do sucesso ou fracasso de um experimento. Eles devem usar a tecnologia para rastrear o ponto ideal de suas formulações e ver o laboratório como uma fonte de conhecimento e colaboração. Os dados resultantes colocarão os projetos de pesquisa no caminho certo e proporcionarão grandes economias para P&D, para a empresa, para o cliente e talvez até para o planeta.

E aí, gostou do artigo ? Acompanhe em nossas redes mais informações sobre Inovação, Governança e Tecnologia.

Parte do artigo foi extraído da publicação da Jenny Maat.

-POR Wiliam Saraiva

Tags :
Newsletter